FALE

Mudou-se para a Espanha e lá se casou com um nativo ibérico, um espanhol. O marido dela sabendo pouco desta nossa Terra de Santa Cruz (Pelé, Amazônia, carnaval, essas coisas...), resolveu se achegar ao Brasil escolhendo uma vertente cultural: o cinema. Para conhecer como era o país da mulher amada, assistiu em uma sentada só “Carandiru”, “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. Ficou pasmo.
-Um país muito violento, favela, corrupção, drogas, etc, como você sobreviveu lá!
Não é preciso dizer que ele choveu no molhado dos estereótipos, dos estigmas.
Vá lá que tudo isso que estão nos filmes existem, mas não é a regra geral.
Vejo isso como uma própria autocomiseração comercial do cinema brasileiro: explorar a dor e o sangue, afinal isso vende mais. E com isso também vendemos uma falsa identidade do país ao mundo.
Até a década de 1980 os filmes brasileiros tinham uma história pífia recheada de mulheres sem roupa (exceções claro, como “Terra em Transe”, “O Pagador de Promessas”, entre poucos outros). Recentemente, dois filmes fizeram sucesso no mundo afora, mas sempre ressaltando um ponto negativo tupiniquim: “O que é isso companheiro?” (corrupção, ditadura, bandidagem) e “Central do Brasil” (analfabetismo).
E de novo volta à tona mais um estereótipo.
Eis o concorrente ao Oscar, o documentário “Lixo Extraordinário”, com uma temática que tende a novamente criar distorções sobre a generalidade do povo brasileiro.
O problema social do lixo é grande, ambiental nem se fala, pois poucas cidades têm aterros sanitários adequados. Mas percebo que está na hora de vendermos nosso peixe em histórias mais particulares sem fundo sócio-escatológico. Temas que ninguém lá fora tenha opinião estigmatizada, formada.
A arte, o cinema e a cultura são meios de denúncia e de critica social, mas não podemos ser sempre “o bicho feio enjaulado em um zoológico de horrores”.
Tolstoi disse: “cante tua aldeia e serás universal”. Cantemos no cinema e nas artes, o que está por detrás das jaulas, dos estereótipos. Cantemos a beleza das histórias da nossa riqueza cotidiana positiva, mesmo que isso venda menos que a dor e o sangue.

Roda de conversa entre acadêmicos de geografia (eu como testemunha). Jovem finlandesa, participante de intercâmbio estudantil, fala com seu sotaque nórdico:
-Quando cheguei ao Brasil (em Florianópolis) me assustei ao sair do aeroporto e ver edifícios, carros, semáforos, ruas pavimentadas. Achava que o Brasil era só floresta...Com indicação da blogueira Sandra Botelho (do Blog “Mulheres: Anseios e Receios”) o link abaixo fala disso.
Impossível assistir a breve palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adiche e não ficar alguns segundos olhando para tela do computador em estado de reflexão. Um mantra visual.
Frente ao intercâmbio da APDARTES com a APEMO, de Moçambique, prezamos justamente isso: não ficar presos “ao perigo de uma história só”. Na verdade, a história dos livros didáticos sempre é contada pelos conquistadores, pelos “vencedores”. Os bandeirantes, heróis, índios guaranis, vilões; dos índios norte americanos nem se fala; da Guerra do Vietnã, os pobres vietcongues são sempre retratados em filmes como “japinhas do mal” e assim vai. Não é a toa que John Locke e Rudyard Kipling deixaram para a história um olhar de menosprezo ao povo Africano.
Antes de tudo, a África é um continente e cada país (embora delimitado pelos colonizadores que bebiam cerveja de gengibre) é um país.
Einstein escreveu que se dissermos 1.000 vezes que um graveto é uma pedra, ele acaba sendo entendido como pedra. È o que acontece com os países africanos. A verdade ocidental não é a verdade universal.
Além da África, estão os países. Além da pobreza, a riqueza cultural de um povo secular. Além da miséria, a capacidade intelectual. Além de uma história só, estão outras diversas histórias. Estas é que de fato atestam o RG cultural, social e econômico do povo africano.
Confira o vídeo aí embaixo, ou então vá ao You Tube no link
http://www.youtube.com/watch?v=O6mbjTEsD58



BREVE TRATADO DE NOSSO EGOÍSMO: A CULTURA COMO ANTÍDOTO
Só para começar: você conversa mais com seus amigos pelo MSN ou assim, olho no olho, carne osso e respiração?
O capitalismo preza o individualismo, o egoísmo, o “eu” e nada do “nós”. “Pessoas juntas não chegam a lugar nenhum” é o lema. Observe: cinemas foram extintos (substituído pelos DVDs e parabólicas da vida), teatro é coisa estranha ( o Home Theather ), a dança, o show, (cada um tem seu som de última geração em sua estante), Pizza (o cara entrega em casa) prosear com o vizinho (ao menos sabes o nome de seus vizinhos?).
Todos estão confinados em suas “baias individuais”, curtindo uma solidão tida como normal, limitada pelas grades e muros que o aprisionam dentro de casa. Pior, presos por grades invisíveis, sociais, que o amputam o direito de celebrar a vida com os outros. Pior de novo: todos acham isso normal.
Viver juntos, em comunhão, celebrar a vida, idealizar projetos pessoais e coletivos, são atos proibidos, que não passam do portão de casa para a rua. Morrem na calçada.
O sistema capitalista nos leva a solidão de nós mesmos e como masoquistas sociais, este egoísmo, de se estar sozinhos, de não se reunir, é tido como natural, uma ação “on”, “tech”, “contemporânea”.
Veja bem: as empresas proíbem a formação de sindicatos entre seus funcionários, pois sabem da força que pessoas reunidas exercem. Temem pelos funcionários juntos, pensando, e por fim descobrindo seus direitos.
Por isso a APDARTES existe.
Para tirar do comodismo, da individualidade, aquele que espera sempre do outro a iniciativa da ação. Pratiquemos nossas ideias, comuniquemos aos outros, vamos! Quem sabe faz a hora, (in Geraldo Vandré). Esperar acontecer é uma desculpa de nós, dada a nós mesmos, pois a maciez do sofá de casa ao clic do controle do DVD é mais cômoda de que por em prática o que pensamos, o que somos. Muito preferem ser o que o programa de TV diz que devemos ser. Robôs, autômatos, teleguiados pelo consumo e pela tecnologia pró-solidão
Associadas, reunidas, as pessoas resgatam aquela pureza e alegria instintiva daqueles homens das cavernas, que se reuniam a beira da fogueira comendo um javali assado. E depois fazia artes rupestres nas paredes das cavernas, dançavam, cantavam..
O que quero dizer é que reunidos os homens se situam, se fortalecem, saem do egoísmo, enriquecem o espírito. Mas isso, no sistema capitalista onde dinheiro é o Santo Graal, isso é proibido. Senão daqui a pouco ninguém vai precisar gastar para ser feliz, ninguém estará deprimido para consumir os Lexotans da indústria farmacêutica, ninguém estará ávido pela nova tecnologia de divertimento solitário, que de fato serve para nada.
Uni-vos, caso contrário, fiquemos na nossa solidão das teclas do MSN, que nos permite conversar com todos, mas que no resumo da ópera, não conversamos com ninguém.